As imagens extremamente reveladoras e provocantes da grande artista contemporânea brasileira Gersony Silva traduzem uma arte poética, intrigante e fascinante, não raro auto-referente e muito evocativa, que põe em foco várias partes de seu próprio corpo (joelhos, pés, cotovelos, juntas, artelhos, dobras, curvas e outros componentes, por exemplo). Na busca desta análise intransigente de seu corpo, ela utiliza várias sequências “cinemáticas” de imagens que dependem de perspectivas, distorções, percepções, espelhamento(s) simétrico(s), repetições, manipulação(ões) e adaptações únicos. Seus desenhos abstratos, monumentais e sem rodeios, sugerem gesto, movimento coreografado e dança. Entretanto, como em toda grande arte, sua obra é uma vertente de alusões à história da arte sempre inteligentemente percebidas, corroborando as palavras de Pablo Picasso, para quem “Artistas medíocres imitam, grandes artistas roubam [as idéias dos mestres]!”
Georgia OKeeffe, Louise Bourgeois, Rebecca Horn e Anish Kapoor são alguns dos artistas contemporâneos importantes para Gersony. Nesta breve crítica examinaremos cada uma das referidas alusões históricas, além da singular relação entre a artista e Ana Mendieta. Por exemplo, as maravilhosas e atraentes superposições de pétalas de flor, curvadas e dobradas nas várias imagens intituladas “Flower” na obra de O’Keefe ressurgem nas curvas e dobras que habitam os monumentais objetos-instalação monocromáticos azul escuro assinados por Gersony, além de ocorrerem na série fotográfica em que a brasileira apresenta uma variedade de elementos figurativos conceituais, relacionados com o corpo humano. Eventualmente essas imagens sugerem a famosa análise (série) fotográfica com a qual Alfred Stieglitz registrou cada parte do corpo de sua mulher (O’Keefe), nos anos 1930.
Igualmente significativas para Gersony são as corajosas esculturas de carga erótica, feitas por Bourgeois, representando seres-genitália ou formas-genitália mutacionais ou humanóides abstratizados (orgânicos-surreais). Essas esculturas aludem às manipulações conceituais-fotográficas da brasileira com partes de seu próprio corpo (joelhos, pés, cotovelos, juntas, artelhos, dobras, curvas e outros componentes, por exemplo).O emprego de luz e sombra nas instalações de Silva relaciona-se diretamente com os impressionantes efeitos de iluminação que destacam as cativantes performances e instalações de Rebecca Horn. Assim como Gersony, a alemã Horn tem perfeito domínio das performances e instalações admiráveis e adequadamente iluminadas. A obra de Gersony é impregnada de uma preocupação profunda com a cor (tom cromático) e de efeitos de superfície high key e bruxuleantes, resultantes da precisão do desenho (meticulosidade), sendo que os já mencionados atributos “clássicos” ou elitísticos permeiam igualmente as obras de Anish Kapoor, o escultor e criador de instalações anglo-indiano contemporâneo.
Devido à fascinação de Gersony com sua própria anatomia, sua carne e sua fisiologia distinta, vários críticos e historiadores de arte perspicazes referem-se a ela como a “Ana Mendieta do Brasil.” Assim como a aclamada artista cubana da performance e body-art, tragicamente falecida em 1985, Gersony Silva documenta em sua obra (por meio de uma variedade de métodos análogos aos da performance) as funções de cada parte de seu corpo, retratando-as especificamente ao investigar, de modo circunspecto, cada elemento orgânico como elemento de um organismo vivo e vital, com uma história distinta e vida essencial, englobando ou mesmo derivando, assim, de um ser indispensável conhecido como Gersony Silva. Por meio desta série de documentários cinemáticos que refletem suas auto-consciência e auto-atualização sublimes, a artista cuidadosamente ilumina e/ou descreve a maneira como funciona cada uma das partes esteticamente diagnosticada de seu organismo vivo e inimitável.
Ao contrário da obra hiper-expressionista de Ana Mendieta, as imagens de Gersony – maravilhosas, clássicas, elegantes e “inspiradas nas musas” – são muito menos cruas, sangrentas, ou tão agonizantes quanto as obras de performance, extremamente feministas e catônicas que o duende de Mendieta invocou.Apesar desta diferença significativa, tanto Mendieta como Silva manifestam quatro similaridades essenciais no âmbito da história da arte, a saber: 1) a confiança em seu próprio corpo como tema de sua arte, e2)a criação de obras que transmitem auto-consciência e auto-atualização sublimes, revelando 3)uma necessidade xamânica de criar rituais animistas para invocar mais saúde e bem-estar para si mesmas e para o mundo. Finalmente, ambas as artistas 4)desafiam os movimentos estéticos minimalistas “meramente” monótonos e consolidados do final dos anos 1960 e da década de 1970, que incluíram artistas paralisadores de mentes tais como Carl Andre, Donald Judd, Sol LeWitt, etc. e tal.
Traduzido por Izabel Murat Burbridge
Prof. Dr. José Rodeiro
Coordenador de História da Arte, New Jersey City University