O corpo desabrocha na casa (ou num equivalente, numa fonte, num bosque). Ora, o que define a casa são as extensões, isto é, os pedaços de planos diversamente orientados que dão à carne sua armadura: primeiro plano e plano-de-fundo, paredes horizontais, verticais, esquerda, direita, retos e oblíquos, retilíneos ou curvos... essas extensões são muros, mas também solos, portas, janelas, portas-janelas espelhos, que dão precisamente à sensação o poder de manter-se sozinha em molduras autônomas.
As obras de Gersony Silva são caleidoscópios mutáveis. É gesto do fazer que se apresenta como obras distinguidas pela natureza do plano e daquilo que o ocupa. A artista concede especial importância à relação claro-escuro na composição, sobretudo nas pinturas e fotografias, estabelecendo um equilíbrio visual desdobrado em matizes estéticas de intensidade autoral singular. A representação se ajusta em grande parte a formas e à trajetória espacial das mesmas, como em Véu de Maya, deixando adivinhar as possíveis sintaxes internas dos processos visuais inerentes aos dispositivos sensoriais conjugados pela artista, como o movimento e o acentuado cromatismo, similares ao de um caleidoscópio. Isso resultante da intensidade de suas experiências como ser humano e como artista, de sua consolidada formação em Artes Visuais e a avigorada trajetória de ações nessa área.
Algumas obras da artista como Ciclo em Vermelho e Ciclo em Azul aparecem como uma replica à musica em sinfonias em azul e vermelho. Conjugando tons, harmoniosamente relacionados, com matizes e formas intensificadas até lograr sua maior expressão como uma forma de mostrar toda a amálgama de emoções, de ressonâncias internas que conciliadas com a música, materializam-se em sensações estéticas. Revigorando, também, o regime inflexível “de pensamento das artes, esse regime representativo que também implica uma determinada ideia de pensamento: o pensamento como ação que se impõe a uma matéria passiva”
As extensões – fotos, performances, livros de artista, esculturas... - esses pedaços de planos orientados pluralmente e que estruturam a produção de Silva, evidenciam que “não há linha reta, nem nas coisas, nem na linguagem. A sintaxe é o conjunto dos desvios necessários criados a cada vez para revelar a vida nas coisas.”
Em suas performances e/ou registros dos mesmos, a artista oferece o fervor interpretativo das utopias desde o exordio do seu casulo utópico abstergido e assente na representação; revelando a necessidade de mostrar-se “e caminhar; é através desta grade que será preciso falar, olhar, ser olhado; sob esta pele, deteriorar’’
Essa mobilidade processual sugerida, tanto conceitual como visual, nas obras de Silva proeminentemente circulam como planos, e em esquemas, indefinidos cartograficamente, que orlam com exuberância cromática (incluindo as transparências e as relações fisionômicas com o espaço, o espectador e as demais extensões [obras]) num cosmos infinito: Na ranhura vulcânica da série Fendas e as consequentes significações e interpretações processuais recorrentes, na alteridade enunciada da permanência e infixidez da série Sobre a Areia o Azul.
Andrés Hernández
Curador - São Paulo, verão de 2016