Gersony Silva
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Textos Críticos

Pigmento, suor e mais nada

O processo criativo de Gersony Silva é um universo sensível, formado por pesquisas, imagens, intuição e metamorfoses. No seu “fazer artístico”, cabem diversas linguagens: o objeto, a fotografia, a pintura, o desenho, a performance, a instalação, a mistura e a sobreposição de todas elas. Intrigar-se com as formas e os materiais, assim como o desdobrar das ideias em novas proposições é nodal em seu repertório. A transformação [do dicionário, o ato ou efeito de transformar-(se)] a impulsiona.

O corpo e, sobretudo, o corpo da artista sobressai e se transforma: pés são asas; pernas revelam fendas; o suor traz remissão e, a disciplina do movimento é, agora, liberdade. São metáforas acrescidas pelo dueto das cores azul-vermelho. No paradigma moderno, o corpo era referência estável, o lugar do ser, da razão e da consciência; baliza para composição da identidade e da subjetividade. No léxico de Gersony Silva, o corpo – sendo construção social, cultural e simbólica – é tomado como matéria de criação e de (re) criação.

Pigmento, suor e mais nada, 2018-2019, além de fotografias é também vídeo que inquieta1. Com vestes alvas e em ambiente igualmente branco, a artista tem, numa pequena bacia, um pigmento vermelho que dispõe em seus pés e mãos. Percebe-se claramente o pó vermelho, mas aos poucos, a partir de pequenos movimentos, o vermelho torna-se líquido; o tempo revela a presença do suor. A transpiração excessiva dos pés e das mãos é agente da performance – na essência, é o fluído que sai do seu corpo que transforma o que vemos. A mistura de pigmento e suor mancha as roupas e o lugar. O vívido vermelho traz a lembrança do sangue, da dor e do desconforto.

Nos registros fotográficos de Pigmento, suor e mais nada, 2018-2019, no recorte selecionado, a ênfase está nas mãos da artista – fragmento corpóreo de longa tradição metafórica. O vermelho misturado ao suor alude às mãos que sangram e contaminam roupas, chão e tudo o que é tocado. São imagens que podem ser acompanhadas ou não do vídeo. Porém, se descoladas, causam maior impacto e apreensão ao observador. O título do trabalho pode trazer alívio, mas o “mais nada” é difícil de ser assimilado. Seria uma falácia, uma ilusão? Tem-se mais do que isso? A resposta pode estar numa entrevista, dada por Silva, na qual declara que “a arte está no caminho entre o artista e o espectador”, ou seja, a arte opera nesse interregno. Então, creio que temos mais.
Alecsandra Matias de Oliveira
São Paulo, 13 de junho de 2020